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Quando pensamos em computadores, ainda mais com a popularização da inteligência artificial, nos vem à mente máquinas muito complexas e operações matemáticas ainda mais avançadas. Porém, os computadores simplesmente analisam dois estados lógicos, o ligado (On) e desligado (Off).

É com base na associação de diversas chaves de ligado e desligado que podemos construir sistemas avançados como computadores e portas lógicas. De maneira genérica, um sistema de toggle switch é o primeiro passo na construção de um sistema lógico e por conseguinte um sistema computacional.

E para a construção de um toggle switch genético é preciso afirmar alguns estados lógicos de maneira que não haja ambiguidade nas leituras de saída. Ou seja, é preciso delimitar que o estado desligado permaneça desligado, assim como o ligado mantenha-se ligado e que não haja sinal nas transições, isto é, não pode existir estado meio ligado ou meio desligado.

O modelo mais básico de toggle switch foi descrito por Timothy S. Gardner, Charles R. Cantor e James J. Collins em um artigo chamado “Construction of a genetic toggle switch in Escherichia coli” publicado na Nature no início dos anos 2000.

Ao utilizarem a E coli como plataforma, um plasmídeo foi incorporado de maneira que dois genes alvo e seus respectivos promotores fossem passíveis de inibição de maneira a criar um ciclo de inibição e promoção da expressão gênica induzido por um fator térmico ou químico exterior, o que chamamos de indutor.

Em resumo, na presença do Indutor “1” o Promotor “1” transcreve o Repressor “2” que na presença do Indutor “2” ativa o Promotor “2” que transcreve o Repressor “1”. Assim formando um ciclo onde somente um promotor estará ativado na presença de um indutor como é possível observar na imagem abaixo.

Figura 01 – Exemplo do funcionamento de toggle-switch.

A configuração de toggle switch acaba por permitir um controle muito grande da expressão gênica, o que resulta na modulação de múltiplos genes conforme outros indutores, promotores e inibidores forem adicionados ao plasmídeo, por exemplo. A partir do circuito básico de liga e desliga, a visualização de sistemas mais interessantes envolvendo a comunicação de diversos genes acaba por pegar emprestada a nomenclatura de portas lógicas como a AND, OR e NOT.

A porta lógica mais comum é justamente uma outra interpretação do toggle switch, ou seja, um sistema que ao receber um estímulo, inverte o sinal de saída, o que chamamos de porta NOT. Se interpretarmos como um circuito, podemos visualizar que quando não há sinal na entrada, há energia na porta de saída e quando há sinal de entrada o sinal de saída é desligado. Trata-se de uma aplicação direta do toggle switch uma vez que na presença de um inibidor o gene poderá não ser expresso e na sua ausência o gene será expresso.

Outro claro exemplo de porta lógica é a porta AND ou porta E, onde são necessários dois estímulos na portas de entrada para que o sinal de saída seja observado, não sendo possível leitura no sinal de saída caso somente um dos portões de entrada tenham estímulo. Semelhante a um circuito em série, onde ambos os interruptores precisam ter energia passando por eles para acender a lâmpada.

Transportando para um circuito genético, as entradas de uma porta lógica AND seriam dois ou mais genes diferentes cuja ativação se dá por dois ou mais promotores diferentes. Um exemplo de porta AND genética é a utilização em E. Coli de hrpR e hrpS como genes que quando ambos transcritos resultarão na expressão do promotor e hrpL segundo Wang et al. 2011.

Figura 02 – Associação em uma porta AND

 

Fonte: Spizak, 2005

Muito próxima da porta AND temos a porta OR conhecida também como porta OU. Diferentemente da porta AND onde ambos os portões de entrada deverão ter um sinal positivo para que haja um sinal de saída também positivo, a porta OR necessita que somente um dos portões tenha um estímulo positivo para que o sinal de saída também seja positivo, muito semelhante a dois interruptores em paralelo para o ligamento de uma lâmpada, onde ao ligar um ou ambos a lâmpada irá receber energia elétrica.

No contexto dos circuitos genéticos, a porta lógica OR é resultado da ação de um ou mais promotores na expressão de um gene, sendo que na presença de um ou todos os indutores é possível dar início a transcrição do gene alvo. Muito próximo do que visualizamos na redundância de promotores na ativação de genes essenciais à vida presentes no genoma humano.

Frequentemente a porta lógica OR genética é utilizada junto de outros circuitos na intenção de sinalizar uma resposta de outra via que também gere a expressão do gene em questão. Um exemplo clássico da utilização da porta OR é quando está unida da porta NOT na criação de um sistema de contenção biológica.

Fonte: Adaptada Wang, 2011
O circuito é programado na intenção de que qualquer sinalização de morte ou queda no sinal de sobrevivência ambas as vias resultem na morte celular.

A velocidade com que avançam os estudos na área de circuitos genéticos transpõe estratégias cada vez mais complexas. Com aplicações cada vez mais próximas à eletrônica tradicional.

Um dos grupos de pesquisadores pioneiros na área, orientados por Christopher A Voigt do MIT, foram responsáveis pela criação de um display binário utilizando E. Coli.

Utilizando portas lógicas NOT e OR a equipe construiu um circuito genético análogo aos chips BCDs (Binary Coded Decimal) de sete segmentos. Esse display é muito famoso em nossas vidas, conseguimos encontrá-los em calculadoras, temporizadores e muitos outros circuitos eletrônicos e dispositivos, o que demonstra um grande passo na aplicação de circuitos genéticos.

O grupo demonstrou um grande potencial em estratégias de silenciamento e redução dos sinais baixos (Zero) do circuito, o que permitiu uma melhor output do circuito, de maneira a tornar efetiva a demonstração do sinal no display. Não só isso, mas as replicações celulares das bactérias acabaram se mantendo estáveis de maneira que as mutações não interferiram no funcionamento do circuito a médio prazo.

O artigo demonstra um grande avanço na área de circuitos genéticos apresentando que os micro-organismos estão cada vez mais próximos de servirem como plataforma para o desenvolvimento computacional mostrando que a ciência caminha cada vez mais para dominar a edição genética em maior profundidade.

 

Referências bibliográficas:

WANG, Baojun; KITNEY, Richard I; JOLY, Nicolas; BUCK, Martin. Engineering modular and orthogonal genetic logic gates for robust digital-like synthetic biology. Nature Communications, [S.L.], v. 2, n. 1, p. 26-32, set. 2011. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1038/ncomms1516.

SPRINZAK, David; ELOWITZ, Michael B.. Reconstruction of genetic circuits. Nature, [S.L.], v. 438, n. 7067, p. 443-448, 24 nov. 2005. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1038/nature04335.

XIA, Peng-Fei; LING, Hua; FOO, Jee Loon; CHANG, Matthew Wook. Synthetic genetic circuits for programmable biological functionalities. Biotechnology Advances, [S.L.], v. 37, n. 6, p. 107393, nov. 2019. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.biotechadv.2019.04.015.

Gardner, T., Cantor, C. & Collins, J. Construction of a genetic toggle switch in Escherichia coli. Nature 403, 339–342 (2000).

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