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A série The Last of Us é um grande sucesso de crítica e público e também uma das poucas produções que exploram de forma interessante a capacidade de micróbios não-virais controlarem o comportamento do hospedeiro. Ao contrário dos filmes de zumbis mais clássicos, onde a explicação para o comportamento agressivo e canibal é dada pela infecção e destruição de parte do cérebro. 

 

Manipulação química

Na série, no entanto, uma das explicações sobre a mudança de comportamento se dá pela estimulação ou biossíntese de moléculas que atuam no sistema nervoso central, no endócrino, e alteram o comportamento social, sexual, alimentar, etc.

 

Em formigas e outros insetos, por exemplo, o fungo do gênero Cordyceps sp. manipula quimicamente o hospedeiro a subir em árvores e se fixar no ponto mais alto, e somente depois destrói seu cérebro, matando a vítima e disseminando seus esporos no ar. 

 

Estratégias de manipulação química

Esse é um dos muitos exemplos da natureza e mostra como a evolução de fungos, bactérias, vírus, protozoários e até insetos é capaz de explorar estratégias de manipulação impressionantes para se ter sucesso na seleção natural.

 

Mas, que moléculas são essas e como são capazes de alterar o comportamento? 

 

Neurotransmissores, hormônios e toxinas

Essas moléculas mimetizam geralmente neurotransmissores e hormônios. Sabemos que o sistema nervoso é a fonte do nosso comportamento, mas ele não está isolado. Nossos hormônios presentes no sistema endócrino regulam nosso estresse e sono (dentre outros), que também estão ligados ao sistema imunológico. 

 

Quando você pega um resfriado, seu sono desregula e sua atividade diminui, te deixando prostrado na cama e evitando qualquer contato social. Isso mostra que há uma rede neuroimunoendócrina intrincada. Não por acaso profissionais da saúde recomendam tanto que você evite estresse prolongado, por exemplo; os altos e constantes níveis de cortisol. Um hormônio imunossupressor, resultante do estresse, reduz sua atividade imunológica e aumenta os riscos de ficar doente. E, claro, isso vira um ciclo problemático.

 

Dopamina e serotonina

Uma das moléculas mais utilizadas na manipulação química por microrganismos é a dopamina, como a do Toxoplasma gondii, causador da toxoplasmose. Não é segredo que a dopamina é associada ao nosso comportamento e alterações na sua concentração podem levar à adicção (vício) e a doenças, como a esquizofrenia (alta dopamina) e Parkinson (baixa de dopamina). Outra molécula é a serotonina, utilizada por alguns helmintos para tornar o hospedeiro mais suscetível a predadores e se dirigir a locais mais iluminados.

 

Contra-ataque do hospedeiro

Essa manipulação, todavia, não é feita sem resposta do hospedeiro. Além da possível resposta imunológica clássica presente em muitos animais, incluindo humanos, há respostas bioquímicas e fisiológicas.

 

Por exemplo, se a molécula de manipulação age ao ser reconhecida por um receptor, as células do hospedeiro respondem produzindo menos receptores. E, se essa molécula tem de ser transportada para o cérebro, o organismo responde diminuindo a permeabilidade da barreira hematoencefálica ou degradando essas moléculas. 

 

E isso é bem claro no cotidiano. Você já percebeu que, depois de um tempo tomando café ou álcool, você precisa de maiores quantidades para ter o mesmo efeito? Ou que algumas pessoas respondem mais rápido ou devagar a um medicamento do que outras? É mais ou menos assim que funciona. 

 

E contornar isso é um esforço que cientistas fazem para entender por que medicamentos não funcionam às vezes e como aumentar a eficácia de medicamentos. Com uma perspectiva de manipulação comportamental parasitária, a ciência pode avançar com novas estratégias de “manipular” novas terapias para tratar doenças psiquiátricas e outras condições.

 

Referências

Libersat F, Kaiser M and Emanuel S (2018) Mind Control: How Parasites Manipulate Cognitive Functions in Their Insect Hosts. Front. Psychol. 9:572. doi: 10.3389/fpsyg.2018.00572

Del Giudice, Marco. “Invisible Designers: Brain Evolution through the Lens of Parasite Manipulation.” The Quarterly Review of Biology, vol. 94, no. 3, 2019, pp. 249–282., https://doi.org/10.1086/705038.

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