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Nanotecnologia

A nanotecnologia é frequentemente explorada em filmes de super-heróis e ficção científica como materiais ou equipamentos ultratecnológicos que cabem na ponta dos dedos e conferem propriedades melhoradas ao usuário ou ao próprio objeto, como aviões invisíveis. No entanto, a nanociência e sua aplicação prática – a nanotecnologia – não são nada novas e certamente não estão limitadas a aplicações ultratecnológicas. 

Na história, há muitos exemplos de produtos nanotecnológicos de origem mineral usados na confecção de peças cerâmicas, como a taça de Lycurgus do século IV a.C., em vitrais de igrejas medievais e nas cerâmicas do mundo islâmico (Bayda et al. 2019). Hoje, produtos nanotecnológicos estão no cotidiano, como os chips utilizados em aparelhos eletrônicos, as nanopartículas de prata utilizadas em tecidos e cosméticos, e sistemas de entrega de fármacos utilizados em medicamentos.

Mas o que define algo como “nano”? Basicamente, tudo que está na escala nanométrica, de 10e-9, ou quase um bilionésimo de um milímetro. Por definição, a nanociência e a nanotecnologia estudam e produzem, respectivamente, materiais de 1 a 100 nm, de origem sintética ou natural, com compostos orgânicos e inorgânicos que se organizam por processos físicos e químicos simples ou complexos (Shahcheraghi et al., 2022; Griffin et al., 2018). 

Se olharmos para a natureza, é impossível não reconhecê-la como uma nanotecnologista incrível (Griffin et al., 2018). Além de nanoestruturas que se comportam de formas diferentes na luz e de biomateriais ultrarresistentes como a teia de aranhas (Prabhakar, 2018), há também biomateriais comuns na biologia sintética, como os vírus, ácidos nucleicos e as proteínas. 

Os vírus, por exemplo, se comportam como nanopartículas autorreplicantes que se assemelham a nanorrobôs (ou nanobots), sendo alguns iguais aos de filmes de espiões, inserindo informação no genoma do hospedeiro e sabotando seu funcionamento normal. Já o material genético (DNA e RNA) é capaz de armazenar uma infinidade de informações, com um grama de DNA correspondendo a 215 petabytes ou 215 milhões de gigabytes (https://wyss.harvard.edu/news/save-it-in-dna/). Nessa perspectiva, o DNA pode ser visto como um grande HD evolutivo, contendo informações de bilhões de anos. Por fim, as proteínas funcionam como nanomáquinas de reações químicas, motores celulares, canais e transportadores de moléculas, e até mísseis guiados (anticorpos), entre outras funções.

Compreender como esses materiais nanobiotecnológicos funcionam permite que se pense em uma miríade de aplicações na área da saúde. E, claro, eles podem ser a solução para problemas de saúde pública emergentes. Neste post, exploraremos as aplicações da nanotecnologia no diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças infecciosas causadas por vírus e bactérias multirresistentes.

 

Menos é mais

Antes de explorarmos as aplicações na saúde, vamos voltar um pouco. Afinal, como miniaturizar materiais ou organizá-los em escala nanométrica  confere propriedades tão interessantes a eles?

Caso você tenha assistido ao homem-formiga, sabe que a natureza funciona de forma diferente da nossa escala. No mundo nano, esses nanomateriais são mais influenciados pela mecânica quântica, o que contribui para seu comportamento físico e químico diferenciado. Nessa escala, as unidades desses materiais são compostas de pouquíssimos átomos, formando uma superfície de contato mais eficiente, com uma distribuição de átomos e elétrons que altera o comportamento óptico, eletrônico e magnético, químico, térmico e mecânico. Se miniaturizar materiais altera suas propriedades físico-químicas, manipular a configuração estrutural também pode conferir propriedades diferentes para o mesmo material, com a mesma composição química. E, não há exemplo melhor do que o carbono. Por exemplo, o carbono no grafite é macio e capaz de conduzir eletricidade em certo grau, enquanto que os nanotubos de carbono são extremamente rígidos e ótimos condutores de eletricidade. Além dos nanotubos de carbono, o grafeno é altamente maleável, resistente e com ótima condutividade térmica e elétrica, além de outras propriedades interessantes. 

Se materiais contendo somente carbono podem se comportar de formas diferentes, materiais orgânicos e biológicos, que se apresentam nas mais variadas formas e configurações, também devem ter comportamentos variados. Um exemplo visível são as proteínas fibrosas. Proteínas fibrosas apresentam composições e conformações diversas, mas que somente conferem as propriedades físicas desejadas quando polimerizadas. Isso significa que uma unidade ou monômero da proteína não é capaz de conferir resistência mecânica e elasticidade, somente quando unidas em uma configuração favorável. Proteínas fibrosas compõem seus fios de cabelo, unhas, cartilagem, músculos, ossos, teias de aranha e seda. Todas essas apresentam características totalmente diferentes, mas sempre são produtos macroscópicos da polimerização de pequenas proteínas, de escala nanométrica. 

E as proteínas globulares? Elas também têm a capacidade de se polimerizar e formar estruturas diversas, como os vírus. Uma única proteína pode formar estruturas icosaédricas (ou quase icosaédricas) enormes na escala nanométrica, com propriedades físicas impressionantes e muito úteis para o vírus, como a estabilidade a altas temperaturas e um grande intervalo de pH. Por exemplo, o poliovirus, causador da poliomielite, é um vírus de estrutura simples que pode ficar meses na natureza, garantindo sua infectividade e a estabilidade do seu material genético quando, por fim, encontrar um hospedeiro (Kramer et al, 2006). Se um vírus simples pode garantir a estabilidade de moléculas no seu interior, o que não podemos fazer com outros vírus e outras moléculas, como vacinas de mRNA e de DNA e fármacos antimicrobianos e antitumorais?

Mutações naturais nestes materiais podem alterar muitas das propriedades desses materiais. E, quando deliberadamente introduzimos mutações, fica muito difícil separar a nanotecnologia e a biotecnologia. Não é por acaso que a área da nanobiotecnologia vem amadurecendo nas últimas décadas, cujos produtos iremos explorar nas próximas seções.

Agora que introduzimos as bases da nanotecnologia e pudemos entender a natureza como um grande acervo de produtos tecnológicos, exploraremos as aplicações práticas emergentes da nanotecnologia na saúde.

 

Nanotecnologia no diagnóstico

O diagnóstico de doenças infecciosas, principalmente virais, sofre com a baixa precisão de avaliações clínicas. É possível avaliar os sinais e sintomas e determinar a composição em amostras biológicas do paciente (saliva, urina, sangue, etc.) e chegar a conclusões clínicas bem definidas, claro. Entretanto, quando este paciente apresenta um quadro clínico semelhante a inúmeras infecções virais possíveis, como dengue, chikungunya e zika, que podem causar febre, dores musculares e nas articulações, fica um pouco difícil fechar o diagnóstico. Por isso, é necessário realizar testes moleculares, que irão determinar especificamente a presença do material genético de um vírus ou de antígenos associados àquele patógeno. 

Durante a pandemia, muito provavelmente todos os leitores tiveram contato com testes de RT-PCR e de antígenos. À parte dos testes genéticos, que amplificam um segmento do material genético específico do vírus, os testes de antígenos — também conhecidos como testes rápidos — com certeza são os mais interessantes, sob uma perspectiva epidemiológica e nanotecnológica. Ao serem mais rápidos e simples de realizar, é possível diagnosticar um enorme número de pacientes e controlar um surto de forma mais eficiente, quando comparado aos testes genéticos, que exigem materiais mais caros e limitados a um laboratório e podem demorar alguns dias.

Esses testes de antígenos são baseados em cromatografia e na especificidade e sensibilidade de anticorpos, proteínas em formato de “Y” que reconhecem especificamente pedaços de agentes estranhos, chamados antígenos. Anticorpos sintéticos são produzidos em laboratório e aplicados em uma membrana, e interagem com os antígenos presentes na amostra e geram um resultado visível, geralmente com uma cor vermelha ou preta. Como uma reação molecular invisível pode se tornar visível? Esses anticorpos estão também ligados a moléculas que absorvem luz (e refletem uma cor), seguindo quase o mesmo princípio dos ensaios imunológicos de ELISA e de Western Blotting, por exemplo. Como em um papel absorvendo água, a amostra misturada com os anticorpos se move por capilaridade em um sentido. Esses anticorpos e os antígenos são, então, retardados no caminho em duas linhas visíveis contendo anticorpos imobilizados na superfície da membrana. Em uma linha, estão os anticorpos também contra o antígeno (linha de teste) e na segunda linha, estão outros anticorpos contra aqueles anticorpos móveis do início, que reagiram com o antígeno da amostra. Esta segunda linha é a linha do controle e acende de forma independente da presença do antígeno.

Esses testes rápidos são relativamente simples e baratos, porém são descartáveis e utilizados para detectar somente um agente infeccioso. É aqui que entram os biosensores, dispositivos que também se baseiam na interação entre biomoléculas, como anticorpos e antígenos, chamados de bioreceptor e analito, respectivamente. Todavia, esses anticorpos são imobilizados em uma superfície de celulose, plástico ou até nanomateriais como o grafeno, e a interação química com o antígeno é transformada em um sinal elétrico, óptico, térmico ou microgravimétrico, detectável em um dispositivo eletrônico, como um computador ou até mesmo em um celular (Kabay et al. 2022). Os biossensores são uma ferramenta extremamente útil para o controle amplo de doenças infecciosas, por serem rápidos, reutilizáveis e precisos. Com o desenvolvimento nos próximos anos, será com certeza possível utilizar dispositivos com biossensores em celulares ou até com smartwatches.

 

Nanotecnologia na terapia

Garantir a segurança e eficácia da entrega do fármaco ao alvo é um dos maiores desafios no desenvolvimento de medicamentos, que vai além da mera execução da sua função.

Em farmacologia, chamamos de farmacodinâmica o processo em que um fármaco, ou uma molécula, interage com seu alvo terapêutico — digamos, uma enzima ou uma proteína — e executa sua função, como inativar uma enzima. Hoje, é possível desenhar de forma racional e in silico moléculas que podem inativar enzimas-chave para o ciclo infeccioso de um vírus ou de uma bactéria (Zhou et al., 2017). E, não lidamos com uma ou duas moléculas, mas uma miríade de candidatos a fármacos. Embora muitos desses candidatos sejam sintetizáveis e funcionais, nem todos são seguros e funcionam bem no organismo humano — isto é, não apresentam boa farmacocinética. A farmacocinética é o processo em que um fármaco é administrado, absorvido, distribuído pelo organismo, metabolizado e eliminado do corpo, e apresente toxicidade. 

Quando consideramos doenças infecciosas e câncer, é importante que o fármaco seja preciso e chegue no local onde um microrganismo ou um tumor está se desenvolvendo, sem que boa parte seja metabolizada e eliminada no processo e que o tecido saudável adjacente seja afetado pela toxicidade, que é muitas vezes o fator limitante de uma intervenção farmacológica.

É bem possível trabalharmos no desenvolvimento de novos fármacos que apresentem melhor farmacodinâmica e farmacocinética que os presentes no mercado, mas em muitos casos, isso é pouco atraente no sentido econômico, pois é caro e demorado, e ainda pode sofrer com o risco de se tornar obsoleto por mecanismos de resistência microbiana ou tumoral. 

Mas, e se pudermos melhorar a precisão e toxicidade de fármacos já aprovados e bem estabelecidos sem mudar sua fórmula química? Com a nanotecnologia, podemos conjugar um fármaco com nanopartículas funcionais que entregam o fármaco com maior precisão ao seu alvo. 

Em uma revisão recente, Yeh et al. (2020) exploram a capacidade antimicrobiana de antibióticos clássicos incorporados em nanocarreadores baseados em diversos materiais metálicos e poliméricos, capazes de interagir com a superfície bacteriana (parede e/ou membrana celular). Alguns mecanismos de citotoxicidade bacteriana propostos para essas nanopartículas se baseiam na capacidade de nanopartículas metálicas promoverem a permeabilidade de íons nas células e de nanopartículas poliméricas agregarem outras bactérias antes de liberarem o fármaco.  Além das funções antimicrobianas, essas nanoformulações otimizam a penetração dos fármacos e reduzem sua toxicidade e metabolização. Dessa forma, é possível reduzir a dosagem aplicada e aumentar sua meia-vida, o que pode fazer muita diferença no tratamento.

 

Maus A, Strait L, Zhu D. Nanoparticles as delivery vehicles for antiviral therapeutic drugs. Engineered Regeneration. 2021;2:31–46. doi: 10.1016/j.engreg.2021.03.001. Epub 2021 Mar 24. PMCID: PMC7988306.

Yasamineh, S., Kalajahi, H.G., Yasamineh, P. et al. An overview on nanoparticle-based strategies to fight viral infections with a focus on COVID-19. J Nanobiotechnol 20, 440 (2022). https://doi.org/10.1186/s12951-022-01625-0

 

Nan

A nanotecnologia 

 

Vírus e bactérias são microrganismos capazes de infectar células, tecidos e órgãos diversos no nosso corpo. Felizmente, existem muitos medicamentos eficazes para  

Nanotecnologia na prevenção 

 

Referências

 

 

 

Vacinas

 

Highlights

 

Nanotecnologia no cancer

 

Highlights:

 

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