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As vacinas de mRNA são inovadoras. Durante o primeiro ano da pandemia de covid-19, o desenvolvimento delas, como as feitas pela Pfizer e pela Moderna, demonstraram que a plataforma foi essencial para o controle da pandemia e se mostrou extremamente interessante para a prevenção de outras doenças. 

A aprovação das primeiras vacinas deste tipo não foi somente uma conquista contra a covid-19, mas também da saúde pública e da biotecnologia, principalmente porque essas vacinas apresentam muitas vantagens industriais. 

A produção delas é realizada a partir do gene de interesse clonado em um plasmídeo, que é transcrito in vitro pela polimerase T4 (Beckert & Masquida, 2010). Essa produção se destaca do ponto de vista industrial porque as vacinas podem ser fabricadas rapidamente, em poucas semanas e em laboratório sem a utilização de células. 

Além disso são facilmente adaptáveis contra novas variantes e tornam possível produzir mais de uma vacina ao mesmo tempo na mesma fábrica (Jackson et al., 2020). 

Considerando que grupos especiais (crianças, idosos e imunocomprometidos) podem não responder tão bem à vacinação quanto a maioria, essas vacinas podem ser adaptadas e disponibilizadas especificamente para esses grupos. 

Além das vantagens industriais, elas são muito seguras. O mRNA, ao se restringir ao citoplasma, é incapaz de atravessar o núcleo, se integrar ao genoma e causar mutações, além de ser degradado em pouco tempo após sua inoculação (Thomas, 2022; Park et al., 2021).

Entretanto, até alguns anos, as vacinas com essa tecnologia não recebiam a devida atenção em função da instabilidade inerente dessa molécula. O mRNA é uma fita simples de nucleotídeos e, diferente da dupla-fita de DNA, é mais sensível a altas temperaturas e à presença de íons metálicos e de ribonucleases (RNases). 

Boa parte dessa sensibilidade é causada pela presença de um 2′ –OH na ribose (ausente no DNA), que é capaz de promover hidrólise e clivagem por RNases após a ciclização do grupo fosfato e de interagir com sua própria estrutura e outras moléculas  (Gorodkin & Ruzzo, 2014). 

No entanto, o mRNA é uma molécula complexa e dinâmica e sua estabilidade pode ser modulada pelo padrão de composição de nucleotídeos e pela sua estrutura secundária. Afinal, seria inconcebível uma biomolécula primordial para o surgimento da vida na Terra ser completamente instável e não apresentar formas de garantir sua perpetuação ao longo da evolução. 

Hoje, graças à bioinformática, é possível realizar a predição de estruturas secundárias e alterar a composição de nucleotídeos, ao mesmo tempo que se mantém a informação genética desejada. 

Sabe-se que uma alta quantidade de uridinas na sequência de mRNA aumenta sua imunogenicidade e o risco de degradação por meio do reconhecimento pelos receptores TLR3, TLR7, TLR8 e RIG1 (Vaidyanathan et al., 2018). Ao reduzir a quantidade de uridinas ou substituí-las com análogos dela, como pseudouridina, esse problema é solucionado (Pardi et al., 2020). 

Além das uridinas, uma alta concentração de GC na sequência também pode aumentar sua imunogenicidade e reduzir a eficácia da vacina. Outros elementos necessários para a tradução do mRNA sintético — 5’cap, 5’UTR, 3’UTR e a cauda poli-A — também podem ser otimizados para aumentar a capacidade e qualidade translacional do gene (Xia, 2021).

Embora seja possível garantir a produção de mRNA de alta qualidade, sobretudo estável quando consideramos terapias e vacinas, a estabilidade do mRNA também depende da plataforma de entrega. 

Desde o início da história das vacinas de mRNA, a proteção dessas moléculas para a entrega em células animais sempre foi um desafio (Dolgin, 2021). Ademais, embora essa seja uma molécula intracelular presente em todos os organismos, é incapaz de ultrapassar a membrana celular, devido ao seu tamanho e à sua natureza aniônica. Além de ser alvo de degradação enzimática. 

A incorporação a nanopartículas lipídicas (LNPs, lipid nanoparticles em inglês) soluciona esse problema. Elas protegem o mRNA da degradação enzimática e promovem a fusão com a membrana celular das células-alvo, que difunde o mRNA no citoplasma. 

A efetividade da entrega de mRNA é ainda maior quando lipídeos catiônicos (SM-102 e ALC-0315, entre outros), lipídeos PEGilados, lipídeos helper e colesterol são utilizados para estabilizar as cargas aniônicas da molécula, aumentando a meia-vida e a fluidez, o que facilita a incorporação à membrana plasmática, respectivamente. 

As LNPs são mais utilizadas nessas formulações porque são facilmente produzidas. Sua composição é biocompatível e a capacidade de incorporar o mRNA é alta (Chaudhary et al., 2021). Indo além, o mRNA também pode ser entregue via polímeros (PEI) e nanoemulsões baseadas em esqualeno.

Ainda há muito para evoluir com essa tecnologia. As vacinas de mRNA apresentam muitas vantagens em relação às outras plataformas e têm um potencial promissor para o futuro da saúde pública e da biotecnologia. Entretanto, é importante ressaltar que a tecnologia não se limita à vacinologia e doenças infecciosas, e vem sendo utilizada em outras aplicações – contra câncer, doenças metabólicas e genéticas (Qin et al., 2022). 

 

Referências:

Dolgin, E. The tangled history of mRNA vaccines. Nature 597, 318-324 (2021). doi: https://doi.org/10.1038/d41586-021-02483-w

Chaudhary et al. mRNA vaccines for infectious diseases: principles, delivery and clinical translation. https://doi.org/10.1038/s41573-021-00283-5

Gorodkin, J.; Ruzzo, W. L. RNA Sequence, Structure, and Function: Computational and Bioinformatic Methods. 2014. DOI 10.1007/978-1-62703-709-9 

Vaidyanathan et al. Uridine Depletion and Chemical Modification Increase Cas9 mRNA Activity and Reduce Immunogenicity without HPLC Purification. https://doi.org/10.1016/j.omtn.2018.06.010

Tomas, S. Vaccine design. Methods and protocols, Volume 1: Vaccines for Human Diseases. 2nd Edition. 2022. Methods in Molecular Biology. https://doi.org/10.1007/978-1-0716-1884-4 

Beckert, B., & Masquida, B. (2010). Synthesis of RNA by In Vitro Transcription. Methods in Molecular Biology, 29–41. doi:10.1007/978-1-59745-248-9_3 

Jackson NAC, Kester KE, Casimiro D et al (2020) The promise of mRNA vaccines: a biotech and industrial perspective. npj Vaccines 5:11

Park et al. mRNA vaccines for COVID-19: what, why and how. Int J Biol Sci. 2021; 17(6): 1446–1460. 2021. doi: 10.7150/ijbs.59233

Xia, S. Detailed Dissection and Critical Evaluation of the Pfizer/BioNTech and Moderna mRNA Vaccines. Vaccines (Basel). 2021 Jul; 9(7): 734. doi: 10.3390/vaccines9070734

Pardi N et al. A Single Immunization with Nucleoside-Modified mRNA Vaccines Elicits Strong Cellular and Humoral Immune Responses against SARS-CoV-2 in Mice Immunity 53(4): 724-732, October 2020.

Qin, S., Tang, X., Chen, Y. et al. mRNA-based therapeutics: powerful and versatile tools to combat diseases. Sig Transduct Target Ther 7, 166 (2022). https://doi.org/10.1038/s41392-022-01007-w

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