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50 anos da Convenção sobre Armas Biológicas: contextos e desafios!

Texto por: Yala Sampaio, Diretora de Educação da SynBioBR

Na quarta-feira, dia 26 de março de 2025, a Convenção sobre Armas Biológicas (BWC, do inglês Biological Weapons Convention) completou 50 anos. Ao longo de meio século, a BWC tem sido um pilar essencial para o desarmamento e a não-proliferação, reafirmando o compromisso global contra o uso de armas biológicas. Este marco nos convida a refletir sobre os avanços, desafios e o futuro da convenção em um mundo em constante transformação.

Apresentando a SynBioBR para o Grupo de Trabalho de Fortalecimento da Convenção, em agosto de 2024.

Afinal, o que é a BWC?

A BWC (do inglês, Biological Weapon Convention) é um tratado internacional que proíbe o desenvolvimento, a produção, a aquisição, a transferência, o armazenamento e o uso de armas biológicas e toxinas. Formalmente conhecida como “Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacteriológicas (Biológicas) e Toxínicas e sobre a Sua Destruição“, a Convenção foi negociada pela Conferência do Comitê sobre Desarmamento em Genebra, Suíça. Ela foi aberta para assinatura em 10 de abril de 1972 e entrou em vigor em 26 de março de 1975. Sendo o primeiro tratado multilateral que visa proibir um determinado tipo de arma de destruição de massa [1]. Atualmente, a convenção possui aderência mundial com a participação de 188 Estados Partes  e quatro Estados Signatários (que assinaram, mas ainda não ratificaram o tratado) [2].

O texto da Convenção é relativamente curto, com apenas 15 artigos [3]. Sendo sumarizada através dos seguintes Artigos: 

Artigo ICada Estado Parte compromete-se a nunca, em circunstância alguma, desenvolver, produzir, armazenar, adquirir ou conservar armas biológicas. 
Artigo IICada Estado Parte compromete-se a destruir as armas biológicas ou a desviá-las para fins pacíficos. 
Artigo IIICada Estado Parte compromete-se a não transferir ou a de qualquer forma ajudar, encorajar ou incitar alguém a fabricar ou adquirir armas biológicas.
Artigo IVCada Estado Parte compromete-se a tomar todas as medidas nacionais necessárias para proibir e impedir o desenvolvimento, a produção, o armazenamento, a aquisição ou a conservação de armas biológicas no território de um Estado, sob a sua jurisdição ou sob o seu controle. 
Artigo VOs Estados Partes comprometem-se a consultar-se e a cooperar entre si para a resolução de quaisquer problemas que possam surgir quanto ao objetivo ou à aplicação da Convenção.
Artigo VICada Estado Parte tem o direito de solicitar ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que investigue alegadas violações da Convenção e comprometa-se a colaborar em qualquer investigação iniciada pelo Conselho de Segurança.
Artigo VIICada Estado Parte compromete-se a prestar assistência a qualquer Estado Parte exposto a um perigo em resultado de uma violação da Convenção.
Artigo XCada Estado Parte compromete-se a facilitar o intercâmbio tão vasto quanto possível de equipamentos, materiais e informações para fins pacíficos e têm o direito de participar nesse intercâmbio. 

O conceito de uso-duplo na pesquisa científica

Dentro do contexto da BWC, um tema amplamente discutido é o conceito de uso-duplo (do inglês, dual use). Esse termo refere-se ao fato de que determinadas tecnologias, materiais e pesquisas podem ter aplicações tanto benéficas quanto prejudiciais.

Um exemplo claro é a biologia sintética. Enquanto essa área tem potencial para revolucionar a medicina, permitindo o desenvolvimento de terapias gênicas personalizadas, vacinas mais eficazes e a produção de órgãos artificiais para transplantes, também pode ser explorada para fins prejudiciais. Entre os riscos, por exemplo, estão a possibilidade de recriação de vírus erradicados e a modificação genética de patógenos para torná-los mais resistentes a tratamentos e/ou mais transmissíveis.

Desafios da BWC

Embora a BWC esteja completando meio século, seus desafios permanecem extensos. Diferentemente de outros tratados de desarmamento, como a Convenção sobre Armas Químicas (do inglês, Chemical Weapons Convention – CWC) e o Tratado de Não Proliferação Nuclear (do inglês, Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons – TNP), a BWC não possui uma organização internacional dedicada nem um mecanismo formal de verificação. Isso significa que não há inspeções sistemáticas e mecanismos para garantir que os Estados Partes cumpram suas obrigações, tornando a implementação da Convenção dependente de mecanismos voluntários e diplomáticos. 

Além disso, a cooperação internacional e o financiamento para fortalecer a BWC ainda são limitados. Sem uma estrutura institucional robusta, a capacidade da Convenção de responder a violações ou fortalecer a biossegurança global também depende do compromisso político dos Estados Partes e de iniciativas voluntárias. 

Apesar da adesão de 188 Estados, a adoção de medidas internas para criminalizar o desenvolvimento e uso de armas biológicas varia significativamente entre os países. Em muitos casos, faltam leis específicas, mecanismos de fiscalização e treinamento adequado para cientistas e autoridades sobre os riscos do uso dual.

Por fim, os avanços em biotecnologia, especialmente em áreas como biologia sintética, inteligência artificial aplicada à biologia e edição genética, criam novos riscos e incertezas. A rápida evolução dessas tecnologias desafia os Estados a manterem a BWC atualizada e eficaz diante de ameaças emergentes, incluindo o potencial uso mal-intencionado de biotecnologias acessíveis.

Diante desses desafios, há um esforço contínuo para fortalecer a BWC, incluindo propostas para aumentar a transparência, incentivar a colaboração científica responsável e estabelecer mecanismos mais eficazes de verificação e conformidade.

O papel do mecanismos diplomáticos

Como mencionado anteriormente, a diplomacia desempenha um papel fundamental na BWC, sendo o principal meio para avançar seus objetivos e fortalecer sua implementação global. Por meio de reuniões regulares, negociações e iniciativas colaborativas, os Estados Partes trabalham em conjunto para enfrentar desafios emergentes, compartilhar melhores práticas e reforçar o compromisso com a proibição do desenvolvimento, produção e uso de armas biológicas. Sendo essenciais para construir consenso entre nações com interesses diversos. 

Um dos principais instrumentos diplomáticos da BWC são as Conferências de Revisão (do inglês, Review Conferences ou RevCons), realizadas a cada cinco anos. Essas conferências permitem que os Estados Partes avaliem o progresso da implementação da Convenção, discutam desafios emergentes e reforcem compromissos políticos e técnicos. A 10ª RevCon já está programada para ocorrer em 2027, e espera-se que traga avanços significativos para a governança da BWC.

Além das RevCons regulares, há também a possibilidade de convocação de Conferências Especiais para tratar de questões urgentes. Atualmente, discute-se a realização de uma Conferência Especial antes da 10ª RevCon, possivelmente para esse ano. Essa conferência teria um significado simbólico importante, marcando os 50 anos da entrada em vigor da BWC e o centenário dos Protocolos de Genebra de 1925. Além do aspecto histórico, ela poderia servir como um fórum para que os Estados Partes deliberem sobre recomendações do Grupo de Trabalho. 

O Grupo de Trabalho para o Fortalecimento da BWC

Um dos principais esforços diplomáticos recentes para aprimorar a BWC foi a criação do Grupo de Trabalho sobre o Fortalecimento da Convenção (Working Group on Strengthening the BWC), estabelecido durante a RevCon em 2022 [4]. O objetivo desse grupo é discutir medidas concretas para melhorar a implementação da Convenção, incluindo maior transparência, reforço dos mecanismos de verificação e fortalecimento do apoio institucional.

As discussões no Grupo de Trabalho abrangem diversos temas cruciais, como:

  • Cooperação e assistência internacional (Artigo X) – Explorar formas de promover a colaboração científica e tecnológica entre os Estados Partes para fins pacíficos, garantindo que todos os países possam se beneficiar dos avanços na biotecnologia.

  • Desenvolvimentos científicos e tecnológicos relevantes – Monitorar e avaliar os avanços na biotecnologia e na biociência para garantir que a Convenção continue atualizada e capaz de lidar com novas ameaças.

  • Medidas de transparência e construção de confiança – Aprimorar os mecanismos de compartilhamento de informações entre os Estados Partes, promovendo uma maior abertura e cooperação para reduzir riscos de proliferação de armas biológicas.

  • Medidas de conformidade e verificação – Discutir estratégias para garantir que os Estados Partes cumpram suas obrigações sob a Convenção, incluindo possíveis mecanismos para monitoramento e inspeção.

  • Implementação nacional da Convenção – Incentivar os Estados a fortalecerem suas legislações nacionais para garantir a conformidade com a BWC, além de promover o engajamento com setores como indústria e academia.

  • Assistência, resposta e preparação (Artigo VII) – Desenvolver mecanismos de suporte e resposta rápida em caso de incidentes biológicos, garantindo que a comunidade internacional esteja preparada para enfrentar ameaças biológicas deliberadas ou acidentais.

  • Arranjos organizacionais, institucionais e financeiros – Explorar formas de melhorar a governança da BWC, incluindo a possibilidade de fortalecer o apoio institucional e garantir financiamento sustentável para a implementação da Convenção.

Brasil e a Convenção sobre Armas Biológicas

O Brasil assinou a BWC em 1972 e ratificou-a em 1973, comprometendo-se a cumprir os artigos estabelecidos no tratado. Isso inclui a proibição do desenvolvimento de armas biológicas e a promoção da cooperação entre os Estados Partes, visando o fortalecimento da paz e da segurança global. Para cumprir com o Artigo I,  Artigo II e Artigo IV, as três medidas legais principais estão descritas nas leis [5]: 

  • Código Penal (Decreto-Lei Nº 2.848/1940) – Penaliza a exposição de pessoas a doenças graves (Art. 252), o envenenamento de recursos essenciais (Art. 253) e a falsificação de produtos medicinais (Art. 278).
  • Lei de Crimes Ambientais (Lei Nº 9.605/1998) – Criminaliza a produção de substâncias perigosas (Art. 56) e a operação de instalações poluidoras sem licença (Art. 60).
  • Lei Antiterrorismo (Lei Nº 13.260/2016) – Define terrorismo como atos que usem armas biológicas, químicas ou nucleares para causar pânico social (Art. 2).
  • Lei de Biossegurança (Lei Nº 11.105/2005) – Regula o uso de OGMs e seus derivados no Brasil, garantindo segurança na biotecnologia.

Além disso, o Brasil adota normas da CTNBio para controle de agentes biológicos incluindo transporte, contenção e uso comercial, conforme resoluções como a CIBES Nº 13/2010, Resolução Nº 21/2018, Resolução Normativa Nº 26/2020 e Resolução Normativa Nº 37/2022.

 

Protagonismo Brasileiro na Convenção

Em agosto de 2024,  o embaixador brasileiro Frederico Meyer foi eleito presidente do Grupo de Trabalho sobre o Fortalecimento da BWC, consolidando o papel do país como um dos principais atores na diplomacia internacional voltada para a não proliferação de armas biológicas.

 

Embaixador Brasileiro Frederico Meyer presidindo o Grupo de Trabalho, em agosto de 2024.

Iniciativas para Jovens Líderes

Além da criação do Grupo de Trabalho, diversas iniciativas têm surgido para impulsionar o compromisso global com a não proliferação de armas biológicas e a promoção da biossegurança. Diferentes stakeholders, incluindo governos, organizações internacionais, acadêmicos e a sociedade civil, vêm desenvolvendo ações estratégicas para ampliar o engajamento e reforçar a implementação da Convenção. 

Você tem interesse em aprender mais sobre biossegurança e desarmamento? Fique atento a essas oportunidades:

Youth for Biosecurity Fellowship

Uma dessas iniciativas é o Youth for Biosecurity,  um programa promovido pelo United Nations Office for Disarmament Affairs (UNODA), em parceria com Global Health Security Funding (GHSF), que busca engajar jovens pesquisadores, estudantes e profissionais na agenda de desarmamento biológico e biossegurança. A iniciativa promove workshops, treinamentos e oportunidades de participação em eventos internacionais, capacitando a próxima geração do sul global.

Em 2024, nossa Diretora foi selecionada como Fellow, tendo a oportunidade única de aprofundar-se na interseção entre biossegurança, diplomacia e política por meio de workshops. Além disso, pode acompanhar de perto as discussões do Grupo de Trabalho na ONU. A experiência também incluiu uma visita exclusiva a algumas das principais instituições globais envolvidas com segurança biológica e diplomacia científica, como o Laboratório de Spiez (NB4), o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (ICRC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Geneva Science and Diplomacy Anticipator (GESDA). 

O programa está aberto para sua 3ª edição, até dia 7 de abril de 2025, para maiores informações, clique aqui

Youth for Biosecurity Fellows no Palais des Nations em Genebra, Suíça, em agosto de 2024.
Next Generation for Biosecurity Competition

Outra iniciativa de destaque é a Next Generation for Biosecurity Competition, promovida pelo Nuclear Threat Initiative (NTI). Essa competição incentiva jovens talentos a desenvolverem soluções inovadoras para desafios emergentes na biossegurança, promovendo o intercâmbio de ideias e a criação de novas abordagens para fortalecer a governança global na área. 

A 9ª edição da competição está aberta para submissão de propostas até o dia 13 de julho, para maiores informações, clique aqui

Emerging Leaders in Biosecurity (ELBI) Fellowship 

A Emerging Leaders in Biosecurity (ELBI) Fellowship é um programa coordenado pelo Johns Hopkins Center for Health Security. Criado em 2012, o programa visa conectar os futuros líderes da biossegurança com especialistas renomados, formuladores de políticas e inovadores da área.

A fellowship combina treinamentos, visitas a laboratórios e instituições estratégicas e encontros com profissionais de biossegurança e biodefesa. As inscrições para a próxima edição do ELBI devem abrir em setembro de 2025. Para mais informações, clique aqui.

BWCEdu: Advanced Education Course

Já o BWCEdu: Advanced Education Course foi um projeto piloto de cinco meses que ofereceu uma imersão profunda na história, diplomacia e no cenário atual da BWC, promovido pelo Instituto das Nações Unidas para Pesquisa sobre Desarmamento (UNIDIR). O curso proporcionou uma visão abrangente sobre a história da Convenção, os processos diplomáticos e o cenário atual da governança em biossegurança. Durante essa 1ª edição, nossa Diretora foi selecionada para participar do curso, onde explorou, discutiu e desenvolveu propostas em Compliance e Verificação (C&V) e simulou mecanismos potenciais para incorporar ciência e tecnologia (S&T) ao contexto da BWC. Essas ideias e relatórios foram diretamente apresentadas ao Embaixador Meyer e ao Grupo de Trabalho.

BWCEdu Fellows após a conclusão do curso em Genebra, Suíça, em fevereiro de 2025.
Referências
  1. Biological Weapons – UNODA. https://disarmament.unoda.org/biological-weapons/
  2. Membership and Regional Groups – UNODA. https://disarmament.unoda.org/biological-weapons/about/membership-and-regional-groups/
  3. UNODA Treaties Database. https://treaties.unoda.org/t/bwc
  4. Final Document of the Ninth Review Conference | 2022-1221 BWC_CONF_IX_9 adv vers.pdf. https://unodaweb-meetings.unoda.org/public/2022-12/2022-1221 BWC_CONF_IX_9 adv vers.pdf
  5. Brazil | Biological Weapons Convention National Implementation Measures Database. https://bwcimplementation.org/states/brazil

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